Quando chegamos o Amauri se surpreendeu e nos ajudou.
Na rua, bem próximo a casa da Dona Odila, tinha uma imobiliária.
Fomos até lá e milagrosamente ela estava aberta. O corretor nos ofereceu uma casa na mesma rua, grande o suficiente para nós acomodar.
As oito horas já estavam cantando e fazendo fila para o banho. Enquanto isso, eu e a Aline fazíamos o jantar, macarrão com molho que ela trouxera pronto. Era divertido vê-la mexendo a panela enquanto cantava tarantela usando a colher como microfone.
Depois do Jantar, nos sentamos na sala e conversamos até bem tarde. O episódio da casa inabitável já havia sido superado.
Nestes momentos, era comum pedirem para a Jerusa incorporar e contar suas histórias.
No dia seguinte quando acordei, a Aline havia arrumado a mesa para eu tomar café. Ela como sempre era muito cuidadosa comigo e sabia da importância que o café da manhã tem para mim, por isso cuidava de tudo com muito amor. Este amor era visto na xícara bem arrumada, no guardanapo, nos talheres, no pão, na manteiga…
Quando estávamos juntos, principalmente na chácara, de vez em quando assistíamos ela é o Betão se desentendendo, porque ele para provoca-la, dizia que ia sentar no lugar que ela arrumara para mim. Até esses desentendimentos já faziam parte da nossa vida, o mau humor dele era conhecido por todos.
Combinamos começar a arrumação para o trabalho na praia depois do almoço e assim fizemos.
Estávamos todos felizes e muito animados. Os meninos marcaram os pontos para colocar as madeiras e achamos muito grande, mais ou menos 4 x 4m do tamanho de um quarto.
Como éramos em poucos, a impressão era de que ficaria tudo muito grande e estávamos acostumados a fazer os trabalhos espirituais bem juntinhos. Já a Jerusa disse que estava bom e que iríamos precisar daquele tamanho.
Os meninos enterraram as estacas no chão e estenderam a corda de sisal, e quando o quadrado se formou, ela invocou energias e colocou sal grosso no lugar que seria a porta de entrada.
Impressionante como quando ela fez isso a energia do espaço interno mudou.
Nos sentíamos num lugar íntimo e protegido, mesmo estando em uma praia e totalmente expostos.
Dentro do nosso quadrado era outra coisa, era só nosso.
As meninas tinham colhido algumas folhas verdes, as quais juntaram com as flores que trouxeram e enfeitaram toda a volta com vegetação.
A cada momento ficava mais lindo.
O altar de areia foi construído e as imagens colocadas sobre ele, todo rodeado de conchas.
Já no final da tarde, fomos nós revezando para ir até a casa tomar banho e voltando vestidos de branco, prontos para o trabalho.
Os atabaques foram trazidos junto com o barco das oferendas e os agradecimentos. Posicionamos os atabaque a esquerda do altar, e o barco a direita ao lado do lugar reservado para a Jerusa.
As 18.00 h estava marcado para darmos início e um pouco antes, os consulentes nossos conhecidos das segundas-feiras, foram chegando e se posicionando em volta, pelo lado de fora do nosso terreiro.
Observamos que muitas pessoas da região também se aproximaram e em pouco tempo o nosso terreiro estava cercado de pessoas.
Eu não sabia o que seria, era nossa primeira festa na praia.
A Jerusa incorporada deu o sinal para que as velas do entorno fossem acesas e todos os de casa ajudaram.
As velas envolvidas pelas garrafas não apagavam e quando todas estavam acesas, tivemos a impressão que estávamos num espaço paralelo. Nós, nosso trabalho e o mar. O barulho das ondas parecia ter aumentado para participar intimamente do que íamos realizar.
Emoção, muita emoção.
Iniciamos a abertura da nossa primeira gira com os pés na areia da praia, todos descalços.
Em um momento quando a Jerusa virou saudando o mar e sua rainha, pude ver o rosto do Amauri junto com as pessoas que assistiam, mesmo com ela incorporada pude expressar minha alegria e juntei meu sorriso ao sorriso aberto dela, a qual não escondia sua felicidade.
As pessoas começaram a pedir para tomar passe, até então só a Jerusa fazia este trabalho, ela disse que não poderia atender a todos e por isso, iria dar passe apenas nas crianças e nos mais idosos.
Imediatamente as pessoas de casa se organizaram para que isso pudesse ser feito sem magoar ninguém, e de maneira amorosa falavam com quem estava na fila esperando, conduziam os que já haviam sido atendidos para fora, e assim as 21h todos tinham sido atendidos, foi quando ela disse que era hora de levar o barco para a água.
Depois de ser verificado que dentro do barco não havia nenhum objeto que pudesse machucar caso voltasse para a praia (essa era uma regra, não colocar nada que poluísse o ambiente ou machucasse) fomos em procissão em direção ao mar, com o barco sendo levado pelo Saturnino, Betão e Odair.
Nossa procissão teve início bem pequena, lembrando que éramos poucos nesta ocasião, mas a medida que saíamos do espaço reservado, as pessoas que até então assistiam, foram se juntando a nós e nos tornamos muitos.
Caminhamos através da noite a atravessamos as primeiras ondas, quando então recebemos o comando para não seguirmos, deixando apenas os meninos com o barco seguirem mais a frente.
De onde estávamos, podíamos ver a silhueta das suas roupas brancas lutando para deixar o barco em posição de flutuar.
Repentinamente o barco sumiu nas ondas e eles nadaram de volta.
Sempre cantando, saímos das águas caminhando de costas e reverenciando a senhora das águas do mar.
Voltamos para o nosso espaço, encerramos o trabalho, nos abraçamos, choramos emocionados e fomos aplaudidos por aqueles que assistiam.
Desmontamos tudo colocando no lixo o que era do lixo e nas nossas costas o que deveria voltar para casa.
Olhei tudo em volta e disse, quando realizamos um trabalho, devemos deixar tudo mais limpo e organizados do que encontramos.
Missão cumprida,
Terminamos a noite conversando sobre tudo, enquanto felizes saboreavamos uma comidinha feita com amor.
Mas de uma coisa estávamos certos, de que essa havia sido a primeira de muitas festas na praia,
Na segunda-feira a Aline contou que um milagre acontecera, mas que ela soube apenas no domingo, quando o marido dela voltou da pescaria,
Ele é seus amigos estavam pescando em alto mar quando avistaram um barco minúsculo flutuando. Imaginaram ser algum barco que havia se soltado, mas estranharam estar ali, naquele lugar, porque era tão frágil e pequeno, que não seria capaz de vencer uma onda.
Aproximaram por curiosidade e ele ficou assustado quando viu várias bandeirinhas brancas com nossos nomes, principalmente porque viu o nome dela e o meu. Não poderia ser coincidência, ele não sabia que iríamos colocar um barquinho no mar.
Tentou pega-lo para mostrar a nós o que encontrara, mas quando aproximou as mãos, o barquinho deu um giro e afundou…