Eu seguia minha vida agitada e feliz.
Continuava fazendo minhas visitas a favela, e foi em uma dessas visitas que encontrei uma menina tossindo muito, achei que não precisava levá-la ao posto porque vi que era uma tosse e com um xarope amenizaria.
Comprei o xarope e levei para a mãe dela, expliquei como deveria ser usado e fui embora.
Eu não as conhecia, foi então que descobri, que fui descuidada com a minha segurança.
Dois dias depois recebi a ligação da Dona Joana, minha fonte de informação na favela.
A mulher havia chamado a polícia, e dito que eu dera um remédio para a sua filha e que a menina estava desacordada.
Sorte que ao ser atendida pelos policiais, eles levaram a menina para o pronto socorro, quando constataram que a mulher dera o vidro todo de uma só vez, e a menina estava dormindo em função disso.
Lembrei-me que quando morava em Arujá aconteceu a mesma coisa com a Juliana, ela também tomou um vidro de Naldecon e dormiu durante um dia e meio.
Este acontecimento me deixou alerta. Descobri que não se deve doar medicamento, o correto é encaminhar ao posto de saúde ou pronto socorro se quiser ajudar sem correr riscos.
Algum tempo depois, outro acontecimento me ensinou mais uma lição.
Uma senhora me procurou no horário em que eu estava atendendo uma cliente.
Disse-me que sabia que eu ajudava as pessoas, e que ela precisava dar de comer aos filhos, enfim, como eu não poderia ajudá-la naquele momento, pedi que voltasse no dia seguinte.
Preparei alguns mantimentos e alguns sacos de leite em pó, os quais eu comprava no atacado para dar as famílias cadastradas no meu projeto de ajuda.
No dia seguinte quando ela chegou, entreguei a ela o que havia preparado, mas não perguntei nada sobre ela, nem mesmo seu nome eu fiquei sabendo.
Duas semanas depois, ela apareceu no meu trabalho novamente e estava acompanhada de um policial. Estava me acusando de ter dado leite contaminado para seus filhos que estavam doentes.
Tive que ir à delegacia e depois de muito trabalho, o delegado perguntou a ela onde ela havia pego a água para preparar o leite.
Depois de respostas desencontradas e perguntas severas, ela disse que a água ela misturava da torneira com a de um tambor que armazenava água da chuva, para economizar.
Aprendi naquele momento que não devemos doar leite em pó, porque se a pessoa usar água contaminada, pode te acusar e até processar.
Muito do meu aprendizado foi adquirido por experiências vividas na pele.
Vou relatar neste capítulo algo grave que aconteceu muito tempo depois, mas que cabe nesse momento, onde falo de experiências que me ensinaram.
Estava trabalhando no ateliê quando alguém tocou a campainha.
Era comum as pessoas me procurarem no meu local de trabalho, já que ali era onde eu distribuía os mantimentos e todas as pessoas da região sabiam.
Quando abri a porta, vi que era uma senhora com um bebê de mais ou menos oito meses no colo.
Ela estava calçada com um par de tênis e um dos pés estava desamarrado, ela pediu por favor para que eu segurasse o bebê, enquanto ela amarrava o tênis.
Sem pensar, estendi os braços e peguei o bebê no colo. Ele sorriu para mim, e enquanto fiquei ali encantada com seu sorriso, a mulher amarrou o tênis e saiu correndo me deixando atônita.
Sem saber o que fazer, pensei que ela voltaria e que enquanto isso eu ia cuidar do bebê, que visivelmente precisava de pelo menos um banho. Estava cheirando urina de bastante tempo.
Quando entrei na oficina de costura, a Florisa ficou surpresa e curiosa. Ao contar para ela o ocorrido, pude me certificar o quanto era insólito tudo aquilo.
Levei o bebê para dentro da nossa casa. A mamãe, a Dona Angela, todos queriam saber de quem era o bebê, e eu, assim como todos, sem saber de nada. Mistério total.
O bebê estava em feridas de assadura, e mesmo assim chorava muito pouco,
Arrumamos mamadeira, roupas, tudo que precisava para um dia.
Como se passaram dois dias e a mulher não havia voltado, levei o bebê sem nome ao Dr. Salin, pediatra dos meus filhos e meu grande amigo.
Ele receitou vitaminas, pomadas e muito cuidado, me deu também um relatório sobre as condições em que se encontrava o bebê, caso eu precisasse.
Estávamos a quinze dias com o bebê e ele estava lindo. Havia engordado, as assadura já quase curadas, e a família apaixonada por ele. A mamãe, as crianças, e até mesmo o Amauri, todos se encantando de maneira perigosa, eu pensava.
Falei com uma freira amiga minha e perguntei o que eu deveria fazer. Não sabia se procurava a polícia, o juizado de menores… e me fez lembrar que as crianças que são levadas para um orfanato, são difíceis de conseguir a adoção, e que se esse fosse o caminho, estávamos ali selando o destino dele.
Ela achava que aquela mulher não voltaria mais, estava apenas querendo se livrar do bebê.
Algumas noites sem dormir e a preocupação com o futuro daquele bebê, me fez falar com um casal de amigos advogados, fiz um jantar em casa para eles e apresentei o bebê, contando a eles o que acontecera.
Eles acharam que eu não deveria procurar ninguém, que deveria esperar que a mulher voltasse, ou não. Também se ofereceram para ficar com o bebê, já que não tinham filhos e com isso me ajudariam dividindo a tarefa. Argumentaram também que minha família era grande o suficiente, e que eu tinha uma vida muito intensa.
Eu confiava plenamente neles, e assim, quando foram embora levaram o bebê dando até um nome a ele.
Os dias foram passando e a vida foi voltando ao normal. Alguns meses depois, recebi uma intimação e procurei o casal de advogados para pedir ajuda, já que eu não sabia do que se tratava, quando soube que eles também tinham recebido uma intimação para o mesmo dia.
Para resumir, a mulher havia aberto um processo contra nós por roubo de criança.
Fomos tratados como bandidos pelo juiz, mas no final das investigações, ficou provado o que havia ocorrido e o juiz entendeu que aquela mulher havia armado um plano para tirar dinheiro.
Mesmo assim, o juíz devolveu o bebê para ela, já o casal sofreu como se tivesse perdido um filho e estavam dispostos a tudo para ficar com a criança.
A mulher disse que se eles dessem uma boa quantia em dinheiro deixaria a criança com eles.
Por medo do que seria no futuro e acreditando na sabedoria do juiz, contaram a proposta da mulher.
Em outra audiência juiz perguntou a ela se isso procedia, porque se assim fosse, ele tiraria o bebê dela e o colocaria em uma instituição, mas que não deixaria com o casal, porque não ia permitir fazer negócio com um ser humano.
A mulher desmentiu dizendo que nunca propusera aquilo e o casal perdeu o bebê.
Consegui descobrir onde a mãe e o bebê moravam, era bem perto da minha casa, e fui de longe pedindo noticias para um ou outro sobre aquela criança.
Menos de um ano havia se passado quando a Dona Maria me disse que o menino havia morrido.
Não consegui me conter e fiz de tudo até conseguir falar com o Juiz, olhei para o fundo dos olhos dele e disse: – Aquele bebê morreu e a responsabilidade é sua. Pode me prender se quiser, mas o senhor não soube enxergar onde era puro interesse e onde estava o verdadeiro amor.
Ele baixou a cabeça colocando-a entre as mãos, perguntei se podia ir embora ou se seria presa?
Ele apenas fez um gesto sinalizando que eu poderia sair …