Eu e o Amauri estávamos vivendo um momento financeiramente tranquilo.
Ele continuava com a fábrica, agora com produtos diferentes, e também desenvolveu uma mistura de resina e pó de mármore e com isso obteve um resultado fantástico, as peças fabricadas dentro de moldes de silicone ficavam parecendo feitas em pedra de mármore.
Ele fazia estatuas para jardim, luminárias, e muitas outras peças, além das uvas de acrílico que a esta altura já eram famosas.
Eu continuava com a Florisa trabalhando no ateliê, que também ficara famoso e rendia muito bem, e ainda tinha a boiada, que era minha segurança para o futuro.
Começamos a ouvir o presidente da República dizer que iria acabar com a inflação, e que para isso tinha na arma de um tiro só, e que ele iria disparar este tiro.
Foi criado todo um clima de mistério, ninguém sabia do que se tratava, e alguns dias depois, o Brasil inteiro acordou sem o dinheiro que tinha em suas contas.
As pessoas se desesperaram.
Ficamos todos com um valor que não me lembro mais, mas acredito que o equivalente a quinhentos reais nos dias de hoje.
Todo o dinheiro da população foi confiscado, e como todos nós também ficamos sem reserva nenhuma.
O Brasil inteiro ficou como um formigueiro que alguém passou o pé em cima, e todos tentando achar uma saída que não existia.
Aqueles que nos deviam, não tinham como pagar, e aqueles para quem nós devíamos, não tínhamos como o pagar.
Estávamos cercados dentro de uma armadilha, e sem saída.
O Amauri ficou angustiado e me perguntou o que eu achava que deveríamos fazer. Respondi que eu iria pegar a mamãe e as crianças, íamos para a chácara e ficaríamos por lá durante um tempo, sem ouvir mais nenhuma notícia.
Estava mal de tanto ouvir sobre os suicídios por causa da situação.
Ele não discutiu, apenas disse que ficaria para ver se surgiria uma saída.
Assim que chegamos na chácara, guardei o pequeno rádio que tínhamos e que era a única forma de saber do mundo lá fora, e o guardei muito bem guardado, com a recomendação de que não fosse ligado.
Tínhamos mandioca, frango, arroz, inhame e salada, ou seja, não passaríamos fome. Agora eu precisava me ocupar.
Olhei para o nosso barraco e para o monte de madeira que estava empilhada num canto do terreno.
Analisei o quadrado que tínhamos de barraco e risquei no chão como poderia aumentá-lo.
Fiz o projeto na minha cabeça e no dia seguinte muito cedo peguei martelo, serrote e pregos dando início a minha obra, e com minhas mãos fui serrando, pregando e aumentando nosso barraco.
Cantava enquanto trabalhava, e as crianças felizes a minha volta as vezes me ajudavam carregando alguma coisa.
Íamos até a represa, comíamos a comida gostosa que a mamãe fazia, enfim, estávamos vivendo uma realidade paralela, porque o que acontecia fora dali não sabíamos, mas estávamos felizes.
Não sei quanto tempo vivemos aquela situação, mas acreditem, quando em um final de semana o Amauri chegou ele não reconheceu o barraco.
Eu havia construído dois quartos, uma cozinha e colocado chão de tijolo nele todinho, também o quiosque estava renovado e com pequenos bancos, que fiz com mourões de eucalipto que haviam sobrado da construção dele mesmo.
A mamãe ficou com um quarto para ela e as meninas, na porta do qual o Amauri colocou uma placa para brincar com ela, ninho da cascavel.
De toda aquela situação que poderia ser dramática, o resultado foi uma construção fantástica com a família reunida, e eu olhei para o Amauri e disse – se me tiram tudo, me dão a oportunidade de encontrar uma nova forma de me reconstruir, o barraco é só o símbolo do que fiz comigo nestes dias que aqui passei, enquanto estivermos juntos somos força, e a família é o cerne que nos firma para não cair.
Não sei se ele prestou muita atenção naquilo que eu disse, porque em seguida já estava fazendo brincadeira com os meninos, mas eu estava falando para mim mesma, e eu ouvi…