Chegou o dia de voltarmos a São Paulo.
Combinamos que o Se e a Jaqueline voltariam comigo de carro e assim fizemos.
Já havíamos rodado muitos quilômetros, quando o trânsito parou totalmente em função de um acidente.
Já era noite, desliguei o carro e começarmos a conversar sobre os acontecimentos tão confusos para nós.
Estávamos tentando entender todos os ocorridos, quando a Jerusa explicou que aquele escravo que havia se manifestado na Jaqueline era o homem que a Vó Joaninha amava, que ele era um bom homem, mas que mesmo sendo bom morreu ali naquela senzala ferido e acorrentado.
Ela continuou: – ele se manifestara para pedir ajuda no sentido de encaminhar muitos espíritos de escravos tanto negros como índios, que haviam morrido sentindo ódio pelo sofrimento e impossibilidade de se defenderem. Que todo este ódio e maldição estava sobre o Brasil, e que enquanto isso não fosse neutralizado, o país teria dificuldade em progredir.
Ele ensinou um trabalho espiritual para que esta transformação acontecesse gradativamente, e que a Ordem deveria realizá-lo uma vez por ano no mês de maio (mês da libertação dos escravos).
Não me lembro se foi a Jaqueline ou o Se quem escreveu todas as orientações passo a passo.
Ficamos então com o registro do que deveria ser feito e a certeza que faríamos.
O mês de Maio chegou, a Jerusa fez uma reunião para explicar como seria o trabalho proposto.
Nosso grupo era composto pela minha família e outras poucas pessoas que haviam se afiliado.
Como disse antes, éramos um grupo fechado e por isso difícil de aceitar afiliação.
Sendo assim, no trabalho dos escravos todos participariam, menos a mamãe e o Tuco.
Marcamos para o dia 13 de maio, por ser o dia da abolição dos escravos, achamos que seria uma boa data.
Na noite marcada, seguindo à orientação da Jerusa, riscamos o mapa do Brasil no chão e todos se posicionaram a volta.
Eu me posicionei dentro do mapa mais próximo a região de Minas Gerais.
Foi mais uma vez sinalizado que todos deveriam dar as mãos e não soltar até que a vela representando a luz divina (todos tinham uma diante de si) fosse acendida, foi feito a oração dos elementos e o canto entoado.
Os efeitos especiais que se seguiram eram assustadores, barulho de correntes, choro desesperados, a voz de uma criança chamando pela mãe.
A medida que as velas iam sendo acesas, podíamos ver as minhas roupas brancas se encharcando de sangue, o cheiro forte de urina se espalhou pelo ambiente.
A Carolina ainda muito criança, se desesperou pensando que eu estava ferida, em função da quantidade se sangue que escorria pela manga da blusa branca que a aquela altura já estava totalmente vermelha.
Alguém tentava acalmar a Carolina, quando tudo foi ficando mais calmo e o barulho foi se tornando silêncio.
Quando todas as velas já estavam acesas, o trabalho foi sendo finalizado.
Levantei do chão onde estava sentada e minha roupa ficou pesada de tão encharcada de sangue que estava, o sangue escorria pelas mangas da blusa e pela barra da saia.
A Carolina estava chorando e me chamando, mas eu não podia abraçá-la, precisava encerrar o trabalho.
O Betão cortou um pedaço do tecido da minha saia dizendo que mandaria para analise, afinal era uma materialização em quantidade nunca visto por nenhum de nós.
A minha roupa e a de algumas pessoas, foram queimadas em um tacho conforme orientação.
Tomamos banho de proteção e só quando sentamos para conversar e entender tudo o que ocorrera, compreendi o perigo daquele trabalho para alguém sem despreparo, se eu soubesse antes, não deixaria meus filhos ainda tão pequenos participarem.