Como as manifestações assombrosas eram ouvidas por todos, eu me sentia mais confortável com a situação, tinha aliados, minha família.
Era sempre no silêncio da noite que as manifestações intensificavam.
Ouvíamos passos que vinham até a porta do quarto e paravam, a torneira da cozinha abria e o barulho da água caindo era ouvido por todos.
Ficávamos apavorados. Temíamos a noite e não tinha o que fazer pois não podíamos mudar em função dos valores que custariam uma outra mudança naquele momento.
Nesta época, a mamãe ficou muito doente e eu não lembro como foi que aconteceu, mas ela foi levada para a cidade de Bela vista do Paraíso e lá ficou internada.
Ficamos sozinhos e apavorados na casa mal assombrada. Uma vizinha para piorar as coisas, nos contou que um homem havia morado lá e matara a mulher dentro da cozinha e por isto a casa era assombrada.
A Floriza organizou tudo da seguinte maneira: juntou as camas umas nas outras e determinou que o Nino dormiria no canto da parede seguido da Nenem, o Polaco, ela própria e por ultimo eu (nunca entendi o critério dela na distribuição). Ninguém discutiu afinal ela agora é quem mandava e enquanto a mamãe estivesse longe seria assim.
Nossa vida virou de pernas para o ar, sem a mamãe tudo era muito difícil. Ela era nosso porto seguro. A Floriza se esforçava mas era criança também. Um domingo ela disse que faria uma comida gostosa e em determinado momento ouvimos ela gritar na cozinha, a imagem que tenho em seguida é ela chorando com a mão entalada dentro de um frango e o Nino tentando ajudá-la. Isto acontecera porque ela tentara tirar os miúdos de dentro do frango para depois assá-lo.
As noites ficaram mais apavorantes e os fantasmas não davam trégua. Nossos cobertores eram arrancados pelos pés das camas, a máquina de costura tinha um pedal de ferro que fazia um barulho característico e ouvíamos alguém pedalando a noite toda. Dormíamos agarrados uns nos outros. Quando íamos para a cama, eu tinha a função de apagar a lamparina e colocá-la na mesinha que havia num dos cantos, era comum a lamparina voltar acesa e se acomodar no chão. Chorávamos apavorados, e eu que já tinha uma certa convivência com o sobrenatural passei a ter tanto medo como se pudesse ser engolida pelo próprio demônio (pelo menos não estava sozinha podíamos falar a respeito o que só aumentava o nosso medo).
A situação estava fora de controle quando o Rolando chegou. Apesar de ser também muito criança, ele disse que iria procurar pelo papai, que tinha alguma noção de onde ele havia ido e que ele tinha que vir cuidar da gente.
Senti admiração e gratidão por aquele menino com atitude de homem. Até hoje o sentimento daquele momento mora em mim.
Aproximadamente um mês depois daquele dia, o papai apareceu. Vendeu tudo que tínhamos e nos levou com ele. Só ao chegarmos ao destino soubemos para onde estávamos indo. Uma fazenda nos arredores de uma pequena cidade (Padre Nóbrega) próxima da cidade de Marília no estado de S. Paulo.
A Floriza quando viu o lugar e a Cida na porta da casa se revoltou e disse que não ficaria ali. O resultado foi que ela voltou para o Rancho Alegre no estado do Paraná morar na casa do Rolando e nós ficamos com ele e a Cida.
Ele nos deixou ali e disse que iria buscar a mamãe em Bela Vista e a levaria para S. Paulo para que tivesse melhor tratamento porque lá onde ela estava não havia recursos.