Os dias que se seguiram foram cinzentos como os meus sentimentos.
Não sabíamos da Floriza e nem se ela sabia do acontecido. Estávamos ali, prisioneiros de uma situação que na minha visão não tinha saída.
Eu chorava todos os dias e rezava pela alma da mamãe, ao mesmo tempo pedia para ela aparecer para que eu a visse, afinal eu via tantas pessoas que haviam morrido, haveria de ver minha mãe e me frustrava a medida que o tempo passava e isto não acontecia.
Talvez para diminuir a trabalho da Cida o papai começou a levar todos nós para trabalhar na roça.
Aprendemos muito sobre a lavoura de café. Que precisava fazer curva de nível para colocar o adubo, que entre os pés de café pode-se cultivar outras coisas como feijão e amendoim, que a enxada tem que ter o tamanho certo para a altura da pessoa que vai usá-la que o cabo dela precisa ter a empunhadura de acordo com o tamanho da mão que vai empunhá-la entre outras tantas coisas.
Quando saíamos ainda escuro, levávamos um pequeno caldeirão de alumínio com o almoço, trabalhávamos seriamente. Colocávamos grandes lonas sob os pés de café e puxávamos com as mãos os grãos (derriçávamos) dos galhos fazendo com que caíssem sobre a lona, esse café que ficava sobre a lona precisava ser peneirado e para isto não tínhamos força física então, um dos colonos fazia este serviço completando o nosso trabalho.
Na época de adubar, o Nino trabalhava com uma enxada que fora feita especialmente para ele. Depois de um tempo todos tínhamos calos nas mãos. Era um trabalho muito pesado e quando chegávamos a casa no final do dia não tínhamos força para mais nada, tomávamos banho na bica, jantávamos e íamos dormir.
Ao longo do dia o papai passava várias vezes a cavalo fiscalizando o trabalhos dos colonos ele dizia: – o olho do dono engorda a boiada e aproveitava para ver se tudo estava bem conosco.
Eu admirava meu pai montado em seu cavalo ensinado, sempre de chapéu na cabeça e armado com uma garrucha prateada. Era meu herói. Eu o comparava ao Durango Kid (um herói da época) que eu conhecia do cinema de Rancho Alegre.
Eu acreditava que os artistas moravam atrás da tela do cinema, quando vi o Durango Kid no cinema de Sertaneja achei que ele também se mudara para lá.
Tínhamos folga aos sábados e domingos. O Sábado amanhecia sempre com música no alto falante que ecoava pela fazenda. Meu pai e o guarda livros atendiam os colonos para fazer o pagamento da semana, e enquanto cada colono esperava sua vez ficavam a sombra de grandes pés de jaca que nos presenteavam com o perfume vindo das grandes frutas. Volta e meia uma caía se esborrachando literalmente no chão.
Certa vez o papai me levou na garupa do seu cavalo enquanto fazia a fiscalização dos trabalhadores. Eu me sentia o máximo enquanto pensava: bem feito ele nunca levou a Cida na Garupa.
Lembro também numa outra ocasião eu estar andando ao lado do papai quando ele com a mão esquerda me empurrou ao mesmo tempo que com a mão direita tirava a garrucha do coldre e atirava na cabeça de uma imensa cobra que havia pulado na minha direção, ele acertou a cabeça dela em cheio ainda no ar, ao invés de me assustar, me atirei nos braços dele agradecida. Eu definitivamente tinha um herói ao meu lado e nós nos amávamos. A Cida não o tiraria de mim nunca mais.
Obs: Muito tempo depois e já adulta entendi o quanto eu disputava meu pai com a Cida. Havia me colocado no lugar da minha mãe por quem eu chorava todos os dias. È comum a filha se apaixonar pelo pai, principalmente quando o admira. Disputa a atenção dele com a mãe e em alguns casos até se tornam inimigas. Como na maioria das vezes é um processo inconsciente, filhas competem com as mães sem saber porque, chegando a repetir seus gestos, o jeito de vestir, andar, hábitos etc… casos como o exposto na maioria das vezes são descobertos através de terapia investigativa. O contrario também acontece com meninos em relação a mãe, porem a porcentagem maior é com meninas. Isto é resultado de uma pesquisa realizada por mim utilizando o método da Casuloterapia e tendo como referência mais de dois mil casos.
Mãe, eu amo voce e suas histórias maravilhosas de vida…
Querida mãe,
Que idade a senhora tinha nesta época? Fico te imaginando nas histórias, queria saber se estou te vendo no tamanho certo. 🙂
Beijos e obrigada pelo blog.
Oi mãe, que lindas estas histórias, me emocionei muito. As coisas que sentimos quando ouvimos você falar, sua voz embargada em alguns ensinamentos, parecem ter uma justificativa mais viva agora. Ajuda a gente a aceitar melhor nossos próprios percalços, a levar mais lições e menos mágoas do nosso dia dia. Nunca havia pensado em como teria sido sua vida para ter acumulado tanto conhecimento, tanto brilho. Toda a nossa luta, nosso esforço, tem um motivo, e como se justificam, minha mãe. Como ainda se justificarão!
Obrigado por tudo! Visitarei mais assiduamente esta sua obra maravilhosa.
Didio