O sono passou como mágica.
O Amauri sempre conversador, pouco falava. Não contei o que ocorrera e ele não perguntava sobre meu choro manso e incontrolável.
A Carolina ainda bebê não chorava, e a Juliana dormiu a maior parte da viajem. Era como se todos estivessem respeitando meu momento confuso e doloroso.
Chegamos na cidade de Marília.
O Amauri estacionou o carro em frente ao portão onde o Filemar estava nos aguardando.
Ele se aproximou do carro, abriu a porta, pediu que eu entregasse a Carolina para a babá, (a Carolina estava no meu colo), desci e eu já sabia o que ele ia me dizer.
Minhas pernas tremeram e pensei que iria desmaiar.
Abraçada ao Filemar entrei na casa, vi minha mãe e a partir daí não consegui mais me controlar, nos abraçamos e choramos juntas por um longo tempo.
Ela disse que não iria ao velório, pois ficaria cuidando dos meninos. A Neném pedira isso a ela no último momento de vida, ainda no hospital, disse que sabia que estava morrendo e que a mamãe e eu precisaríamos ajudar o Filemar a cuidar dos filhos .
Entendi que o Amauri já estava sabendo, ele havia falado com o Filemar pelo telefone e tomado a decisão de ir junto naquela viajem poucos minutos antes de sairmos.
A babá ficou na casa com a Juliana e a Carolina e eu, o Filemar e o Amauri fomos até o lugar onde o corpo estava sendo velado.
Dor, muita dor era o que sentia e sinto relembrando e escrevendo sobre estes fatos, choro hoje como chorei na ocasião.
Ao chegar ao lado do caixão de madeira, olhei para o rosto dela e pude observar que estava vermelho do lado direito, exatamente onde o sol estava refletindo quando a vira na estrada.
Ela estava morta, não poderia estar vermelho.
Cheguei mais perto, para ver se haviam feito maquiagem e deixaram vermelho só de um lado do rosto.
Não, não havia maquiagem, e instantes depois o vermelho sumiu, era como se o sol houvesse queimado a pele dela.
Entendi o sono durante a viajem, ela estava tentando se comunicar comigo, estava a minha espera, tentei que me desse um sinal, mas sem obter resultado.
Olhei para o vestido branco com a mandala na altura do plexo, vestido que eu havia dado a ela de presente e o arrumei, num gesto automático de alguém que não tem noção do que está fazendo.
Pensei na mamãe e minha dor se juntou a dela, sabia que jamais alguém poderia calcular aquela dor. No máximo poderia apenas imaginar.
Quando ela foi enterrada ficou um vazio imenso, coloquei as mãos sobre a barriga sentindo a vida que estava ali, tentando buscar algum alento…….