Noite Maldita
Dona Mocinha, uma mulher devota de Santa Terezinha, vivia fazendo novenas e rezando o terço. Zé Gregório, seu marido, aproveitava-se disso para debochar dela, ateu que era.
Numa noite de sábado, dona Mocinha reuniu os moradores dos sítios vizinhos para mais uma vez rezar o terço. Ainda estava coando o café para servir aos presentes quando Zé Gregório começou com a gozação.
— Ara Mocinha, ocê fica cum essa rezadeira… Pensa qui essa tar de santa vai ti escutá? Quero só vê quando tivé qui pagá a conta da venda, si ela vai lá antis qui eu — disse ele, caindo na gargalhada, fazendo os olhos dela encherem-se de lágrimas.
— Ocê pára cum isto cumpadre, qui é nessas hora que o diabo escuta a gente — disse o compadre Antônio, em defesa de dona Mocinha.
— Puis, óia qui eu quiria qui o tinhoso mi escutasse e viesse prová qui existi memo, puis num acredito nem in santo nem in capeta. Qué sabê mais? Vô inté a venda da estrada jogá truco inquanto oceis reza. E si o amigo gramunhão quisé mi fazê cumpania é bem-vindo — disse Zé Gregório, referindo-se ao demônio.
Pegou o chapéu e sumiu na noite quente. Caminhava assobiando pelo carreadouro, quando então ouviu um choro de criança. Parou um momento, tentando ouvir melhor. Só percebeu o silêncio da noite. Nem uma brisa para balançar as folhas dos pés de café. Lembrou-se de dona Mocinha rezando e caiu na risada, retomando a caminhada. Mal dera dez passos… Novamente o choro de criança ecoou no meio do cafezal.
Parou, observando que o choro vinha da direita, e seguiu essa direção, até encontrar um bebê recém-nascido enrolado num pano, embaixo de um pé de café. “Ara, quem será qui teve corage di largá essa criança aqui? Deve sê arguém que num quiria qui ninguém subesse que tava prenha. Ara seja, essa sem-vergonha num presta. Mas num posso dexá essa criança aqui”, pensou Zé Gregório. Pegou o bebê no colo e tomou o caminho de casa.
Só depois de muito caminhar Zé Gregório percebeu, surpreso, que estava perdido no cafezal. Estranho para quem conhecia aquele lugar desde que nascera. “Ainda bem qui o bebê parô di chorá”, pensou ele, enquanto tentava achar o carreadouro que o levaria a casa.
À medida que andava, o bebê ficava mais quente e pesado. Já estava nervoso e suando. O bebê não mais fazia o menor ruído. Nem resmungava. Zé Gregório levantou o pano para ver como estava o bebê. Quando puxou o pano para o lado, a lua iluminou um rosto horrível, de pele rugosa e cinzenta, e os olhos vermelhos. Da boca saiu uma voz pavorosa, entremeada de uma gargalhada:
— Aceitei seu convite, Zé Gregório! Ah-ah!
Quando o dia amanheceu, dona Mocinha saiu ao terreiro. Lá estava Zé Gregório, agarrado à cerca, falando coisas incompreensíveis.
Nunca ninguém conseguiu entender o que aconteceu e muito menos as marcas de queimadura no peito e nas mãos de Zé Gregório, que, ainda hoje, está internado em um hospício.