Nossa vida se tornou ainda mais movimentada. Além do trabalho que realizávamos, agora também ajudávamos a Lisete com a pequena loja, o que para nós era muito divertido.
A Rose filha da Lisete, experimentava tudo quando chegávamos com as compras, e o que gostava ficava para ela, sem o menor problema. Hoje me lembro deste fato e me surpreendo por nunca ter sentido inveja.
Estava na moda, capas abaixo do joelho bem amplas e com a possibilidade de usar dos dois lados. Normalmente cores vivas. Entre as que trouxemos para vender, tinha uma no meu número, amarela de um lado e vermelha do outro e a Rose insistiu para eu experimentasse, o que eu fiz me sentindo importante.
Para nós, eu e Neném, a Rose representava tudo que não podíamos ter. Ela era rica aos nossos olhos e por isto, quando ela começou a dizer que eu deveria comprar a capa, que havia ficado linda em mim, não conseguia imaginar que isto seria possível, trabalhávamos para nos manter e não sobrava para nada além do cinema e do sorvete.
A Rose então chamou a Lisete e pediu que ela marcasse na caderneta, assim poderia cobrar por mês, como era costume na época.
Eu estava repetindo que não queria, que não poderia, quando a Lisete sugeriu que eu e a Neném comprássemos em sociedade e ela faria o que a Rose propôs, além de cobrar apenas o custo.
A Neném meio sem entender aceitou experimentar a capa também, depois de quase ser obrigada pela Rose.
A Neném por sua vez era a minha melhor amiga, assim não teria o menor problema dividir a capa com ela, nos revezaríamos e pronto. O problema na real era como pagaríamos
No caminho para casa estávamos assustadas com o que estávamos prestes a realizar, a compra de algo apenas pela vaidade e não por necessidade, nossas roupas eram sempre boas mas feitas pela Florisa e muitas com tecidos de sobras das cortinas.
Ao chegar em casa fomos timidamente falar com a mamãe para contar sobre a capa e pedir sua permissão. O dinheiro que ganhávamos era todo entregue a ela, logo não sabíamos se era possível fazer a compra e o que ela diria.
Ela ouviu com atenção, não disse nada, apenas os olhos encheram de lágrimas. Sem saber o que pensar eu e a Neném mudamos de assunto e fomos ajudar no jantar.
Mais tarde a mamãe nos chamou no seu quarto, ela estava sentada na cama com a cabeça recostada no travesseiro e pediu que sentássemos ao seu lado.
Ela nos disse que fizera as contas e que daria para comprar a capa se ficássemos sem ir a matinê e sem o sorvete dois finais de semana por mês. Nos abraçamos como se tivéssemos conquistado um tesouro.
A Neném me olhou, sorriu e perguntou:
– Mamãe podemos ir buscar agora?
A mamãe também com um sorriso fez um gesto positivo com a cabeça, mais que depressa saímos correndo porta afora enquanto cantávamos:
– Temos uma capaá, temos uma capaá, temos uma capaaaaá…