Eu já era silenciosa e me tornei ainda mais fechada em meu mundo. Tinha meus companheiros que só eu conseguia ver e com eles aprendi muita coisa.
Sofria humilhações e castigos físicos, muitas vezes precisava esconder as marcas quando ia ver minha mãe.
Mas a escola era tudo! Eu cuidava do meu uniforme como se fosse sagrado. A saia azul marinho de alças e pregas sempre muito bem passada, a blusa branca, na cabeça o laço de fita de organdi branca, sapato preto e meias brancas. Eu me sentia outra pessoa quando colocava o uniforme e ia para a escola.
Certo dia, aquele inferno de menino malcriado caiu da balança de pesar sacaria. A altura de onde ele caiu não dava nem trinta centímetros e nada aconteceu, mas ele destampou um berreiro que não pode deixar de ser ouvido pela dona Rute, e lá veio ela, aquela turca gorda parou na minha frente com as duas mãos na cintura e disse:
– O que você fez com o Juninho?
Não, não poderia ser outra coisa senão eu, a ser responsabilizada por aquele fedelho chorão. E lá veio castigo, ficar descalça durante toda a semana, mesmo para ir a escola.
Fiquei me imaginando toda arrumada de uniforme, laço… e descalça. Não, ela não podia fazer aquilo comigo, na escola não. Fui tomada por um sentimento de ira misturado com raiva e pensei, apenas pensei mas não me atrevi a falar: – Sua turca gorda, quero que você se esfole!
Vi uma sombra crescer e tomar frente, empurrando aquela mulher que para mim parecia enorme contra o batente da porta, fazendo com que ela cortasse o braço.
Ela saiu brava xingando, enquanto eu ria baixinho querendo gargalhar.
A noitinha ela contava ao marido o ocorrido dizendo que ficara tão nervosa que perdeu o equilíbrio, e que eu tirava ela do sério. Ele como sempre não disse nada e ela arrematou me informando que eu não iria ver minha mãe no final de semana, mas que ela iria ver a mãe dela.
Estava pensando que este castigo eu teria prazer em pagar, quando ela completou com aquela voz meio rouca: – E os cobertores estão proibidos até eu voltar.
Era inverno e as noites eram muito frias no deposito onde eu dormia…