Estávamos em Padre Nobrega a um bom tempo, minha mãe já estava se recuperando e tudo parecia que ia bem.
A cidade era na verdade uma vila de ferroviários muito pequena, e foi numa destas casas de ferroviário que vi pela primeira vez papel higiênico, fiquei encantada com o rolo que a minha nova amiga me mostrava e mais ainda, era cor de rosa!!!
Quando minha mãe me chamou para dar a noticia que eu iria para a escola fiquei feliz, pois era meu sonho ir a escola, mas havia uma condição, eu teria que ficar na casa de uma senhora (Dna. Rute).
Ela iria cuidar de mim porque minha mãe e meus irmãos se mudariam para a cidade de Marília, visto que em Padre Nobrega não tinha como trabalhar e o acordo era que quando eles se estabelecessem, minha mãe viria me buscar.
A mãe da Dna Rute também morava em Marilia e assim quando nos finais de semana ela fosse visitá-la, eu iria também para ver meus irmãos e minha mãe.
Tudo combinado mudei-me para a casa da dona Rute e minha mãe foi embora com meus irmãos.
O lugar onde passei a dormir era uma despensa fora da casa onde eram guardadas as vassouras, produtos de limpeza, etc… mas não importava. Tinha porta. Era meu quarto!
Não demorou nem um dia para a verdadeira intenção da dona Rute se apresentar.
Eu tinha nesta época quase oito anos e sabia muito bem cuidar de uma casa, tinha também força física pois trabalhara como adulto até então. Passei a trabalhar como escrava literalmente pois não ganhava nada. Lavava, passava (volta e meia queimava os braços no ferro de passar pois não alcançava direito a mesa que era destinada a este serviço), encerava a casa e ainda cuidava de um menino malcriado de dois anos de idade.
Quando qualquer coisa não saia ao agrado da dona Rute eu morria de medo, pois além de apanhar, ela dava castigos como por exemplo ficar descalça e sem cobertor no inverno, ficar sem comer, etc…
Certa vez o irmão dela que já era um homem, comeu um dos bombons sonho de valsa que ela trazia contado dentro de um pote lindo de cristal que parecia ter o propósito de me atrair (eu babava de vontade de pegar um bombom e saber que gosto tinha, chegava sonhar com aquele homem dançando com aquela
mulher e eles me oferecendo um bombom sonho de valsa) mas o castigo seria muito grande e eu ficava na vontade. Quando naquele dia, ela contou os bombons e estava faltando um, foi um inferno. Tentei dizer que fora o irmão dela mas ele olhou me fuzilando e além disso ela não iria acreditar, então me calei e fiquei durante uma semana tomando banho frio como castigo.
Quando ia ver minha mãe em Marília eu não contava nada a ela, me limitava a perguntar quando eu poderia ir morar com ela. Na frente da minha mãe a dona Rute me elogiava, dizia que não se preocupasse, que eu estava indo bem na escola, até me beijava e eu aceitava tudo para não dar trabalho para minha mãe que dizia:
– Ainda bem que a senhora cuida dela para mim dona Rute, é uma criança a menos para sofrer.
Mãe querida, voce é a prova de que o mais intenso sofrimento não necessariamente transforma alguém em revoltado ou infeliz. Muito obrigada por mais essa lição de vida. Amo voce!
Um nó na garganta, mãe. E lágrimas nos olhos…