Saímos bem cedo num caminhão velho acomodados sobre a mudança em direção a cidade de Paranagi.
Eu me sentia ao mesmo tempo insegura e ansiosa pela aventura.
Ao chegar fiquei deslumbrada por ver pela primeira vez terra clara, só conhecia terra vermelha, muito vermelha.
As casas eram em sua maioria de madeira e limpas, o que para mim era uma novidade, já que de onde eu vinha era comum as casas serem avermelhadas. Isto porque quando não chovia a terra vermelha se espalhava como talco impregnando tudo (até as narinas por vezes ficavam avermelhadas), por sua vez quando chovia, o barro grudento tornava difícil até o caminhar. Na porta das casas era colocado um raspa pé para tirar o excesso do barro que se acumulava. Por tudo isto era fascinante descobrir que o mundo era diferente em outros lugares.
Mal entramos na cidade e estávamos no final dela. Era tão pequena que mais parecia uma vila com uma igreja, uma praça minúscula e as casas distribuídas a sua volta.
Descemos do caminhão esperamos por um momento minha mãe conversar com um casal que estava numa casa ao lado e nos dirigimos para a que nos fora indicada.
A casa em que fomos morar (por ser a única que o pouco dinheiro dava para pagar) não tinha porta, o fogão estava com uma parte da parede de barro caída, não tinha a chapa de ferro para apoiar as panelas e havia vários buracos nas paredes que dava para ver o lado de fora.
As poucas coisas que tínhamos foram deixadas no terreiro enquanto nos ocupamos de limpar a casa para depois coloca-las para dentro.
A Floriza e o Nino encontraram uma madeira grande o suficiente que escorada por um mourão de cerca passou a servir de porta. Minha mãe fazia parecer que aquela situação terrível era uma grande aventura, e quando perguntávamos pelo papai, ela desconversava, mas por muitas vezes a vi chorando disfarçadamente.
Ela organizou a nossa vida distribuindo as tarefas.
A Floriza, como costurava muito bem, iria fazer roupas para aqueles que conseguissem confiar a ela os tecidos, já que na época eram difíceis de serem comprados em função da distância, além do fato de que a Floriza também era uma criança.
Eu e o Nino, iríamos com ela trabalhar na roça colhendo algodão, a Neném, ficaria cuidando da casa e do Polaco que era pouco mais que um bebê.
Hoje quando penso nisto, entendo que me levando para a roça ela cuidaria de mim ao mesmo tempo em que trabalhava.
A Floriza conseguiu fazer um vestido para uma moça que não lembro o nome mas que nunca mais me saiu da lembrança. Nem a moça e nem o vestido. Era um vestido azul marinho com bolas brancas justo com um imenso laço branco atrás na altura da cintura caindo sobro o quadril. Quando ela andava, balançava o laço de um lado para o outro numa cadência chamando a atenção.
Seguramente este vestido e esta moça contribuíram para que a Floriza passasse a ser procurada pelas pessoas a fim de que costurasse para elas.
Eu a mamãe e o Nino, saíamos antes do sol nascer para ir colher algodão. Tínhamos que atravessar o pasto cheio de bois bravos para chegar a plantação, o que era muito perigoso. Todos os dias na ida e na volta minha mãe rezava pedindo a São Bento que nos protegesse. Nossos braços eram arranhados pelas cascas grossas e duras do algodão. Enrolávamos panos, mas não eram confortáveis e impediam os movimentos, e por fim acabavam caindo.
Eu me cansava logo e sentava observando a mamãe e o Nino enquanto arrastavam o saco de estopa amarrado na cintura onde iam colocando os flocos de algodão. Quando estavam quase cheios o Nino os colocava nas costas e levava até o local onde o fiscal iria pesar e entregar um vale, que seria trocado por dinheiro no sábado.
A casa estava sempre limpa e bem cuidada pela Neném. A mamãe vivia recomendando:
– Não fiquem na rua quando a boiada passar, os bois podem estourar.
A cidade era cercada por pastos cheios de bois. Quando eram trocados de pasto os boiadeiros os conduziam pela rua principal, e quase única da cidade. Isto acontecia sempre, e volta e meia a boiada estourava. Era uma grande correria..
– Não fiquem na rua quando a boiada passar, os bois podem estourar.
A cidade era cercada por pastos cheios de bois. Quando eram trocados de pasto os boiadeiros os conduziam pela rua principal, e quase única da cidade. Isto acontecia sempre, e volta e meia a boiada estourava. Era uma grande correria..
Quando saiamos de madrugada era comum eu ver um homem passeando no meio da neblina. Não sabia se era vivo até que um dia ouvi uma mulher gritando a noite: – Acorda Julio, a Jardineira já vem vindo! Contei para a Neném e ela me disse: – Você é louca, igual a italiana de Rancho Alegre. Fiquei com muito medo ao lembrar da tal mulher que meu pai amarrava na cama e silênciei ainda mais. Alguns dias depois a Neném voltou ao assunto e falou que tinha conversado com a dona da venda, e que ela contara que a muito tempo um casal morava ali, e que ele ia para outra cidade duas vezes por semana quando a jardineira (um ônibus aberto sem porta) passava, que ele morreu, que ela ficou louca e saia pelas ruas chamando por ele, e que algum tempo depois ela também morreu.
Moramos nesta cidade por um tempo, até que um dia a mamãe nos deu a noticia. Já havíamos conseguido ganhar dinheiro suficiente para nos mudarmos dali. Como ela dizia, aquela cidade parecia uma ilha cercada de bois bravos por todos os lados. Eu na verdade não entendia o que ela queria dizer, até então, não sabia o que era uma ilha.
A mudança aconteceu nos moldes da época, sobre o caminhão as poucas coisas e a família sobre estas coisas da maneira que dava.
Mudamos para a cidade de Sertaneja. Não gostei a principio quando vi que a terra era vermelha como a de Rancho Alegre. Mas, a casa de madeira tinha porta, era grande, tinha dois quartos e um porão onde daria para brincar. Fazia tempo que não brincávamos.
Minha gratidão (e prontidão)
, sempre!!!
Mãe agradeço todos os dias a oportunidade de fazer parte da sua Vida. Com vc aprendo a cada dia, a cada segundo. Não tem como não se emocionar lendo e sentindo tudo o que vc passou… A minha eterna gratidão e amor por vc!
Nossa…essa me fez chorar…mas ao mesmo tempo me alimentou de fé. Fé que vem da força da Vó. Obrigada mais uma vez, mãe querida.
Linda a força, coragem e determinação dessa mulher que gosto de chamar de vó!!! você minha mãe…traz nestas lembranças grandes ensinamentos! obrigada. bjs de amor
Mãe agradeço todos os dias a oportunidade de fazer parte da sua Vida. Com vc aprendo a cada dia, a cada segundo. Não tem como não se emocionar lendo e sentindo tudo o que vc passou… A minha eterna gratidão e amor por vc!
Que bom ler histórias da sua infância, conheci Sertaneja, morei em uma fazenda que ficava em Leópolis, ali do lado. Quando leio suas histórias me lembro de lá e fico pensando em como você deveria ser, pequenininha, loirinha, que lindinha. Que privilégio saber da sua vida!